terça-feira, 18 de setembro de 2007

Mulheres machistas

(Stella Florence, crônica da revista Criativa)


Outro dia eu estava na casa de uma amiga, papeando, quando sua filha adolescente chegou do colégio. A menina pôs a mesa, esquentou a comida, preparou um suco, jantou, lavou a louça e foi para o quarto se pendurar na internet. E nós, ferradas na conversa.

Meia hora mais tarde, foi a vez do filho dessa minha amiga, um ano mais velho do que a menina, chegar do inglês. Qual não foi minha surpresa ao ouvir:

- Você me dá licença um minuto? Vou preparar o jantar do Felipe.

E lá foi ela. Pôs a mesa, fez um suco, esquentou o prato, o serviu e ainda por cima, atendendo ao pedido do adolescente-paxá, foi buscar o sal e o azeite na cozinha. Só depois que o rapaz foi tomar banho e minha amiga estava definitivamente de volta ao sofá, após ter tirado a mesa, foi que eu tive coragem de dar uma indireta:

- Ora, Amanda, você não precisava fazer cerimônia comigo, podia ter feito o prato da sua filha, também.

Ao que ela me respondeu:

- Imagina, Stella, meninas têm que se virar.

Oh, céus! E meninos, não?

É claro que eu não achava que Amanda deveria ter feito o prato da filha, essa foi apenas uma forma delicada de perguntar: 'Por que diabos você trata sua filha de uma maneira e seu filho, de outra?'.

Já é hora de nós, mulheres, fazermos um mea culpa. Os homens não são os únicos machistas do mundo. Pense comigo: se o machismo continua vivo - e ele continua -, a responsabilidade seria exclusivamente deles? Se cinqüenta por cento do mundo é feito de mulheres, será que nós não ajudamos a perpetuar o machismo de alguma forma?

A reflexão vale a pena, por isso aí vão algumas dicas para você testar a si mesma.

- Fazer comentários depreciativos sobre mulheres que exercitam sua sexualidade livremente é uma atitude machista.

- Catalogar como demônios malditos mulheres que se apaixonaram por homens casados ou que tiveram relacionamentos extraconjugais é também machismo - sobretudo quando, num homem, a mesma atitude não causa qualquer espanto.

- Educar meninos e meninas de forma diferente, com dois pesos e duas medidas, numa palavra: é machismo.

- Na novela das oito, o galã com um copo de uísque na mão é charmoso, mas a mocinha, se pegar num copo de vodca é uma criatura vulgar e destrambelhada? Sim, isso é machismo.

- Se uma mulher acusa o chefe de abuso sexual e você pensa, 'Ela não deve ter se comportado direito', ou seja, a culpa é dela, sinto dizer, mas esse é um pensamento machista (até porque assediadores atacam indistintamente, chegando a preferir as recatadas).

- E tem mais! Uma mulher submissa é machista, na medida em que considera a opinião de um homem - simplesmente por ele ser homem - mais válida do que a sua. Portanto, submeter-se é ser machista - um machismo herdado, sem dúvida, mas não por isso menos devastador.

As implicações de tal preconceito não param por aí, mas meu espaço para escrever sobre elas, sim.

Quanto a minha amiga Amanda, é terrível dizer, mas ela, sem se dar conta, está perpetuando um estado de coisas que só traz dor ao mundo. Dor a homens e mulheres, porque, quando há papéis fixos de dominador e dominada, nem um, nem o outro consegue realmente ser feliz.

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