quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Passeio Socrático

Frei Betto


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da
Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos,
recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu
observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera
cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos,
geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado
café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro
café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois
modelos produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e
perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'.
Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais
tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que
tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura,
piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de
meditação!

Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente
equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis
livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de
ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas
me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho
ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha,
uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da
subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu
quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem
nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra!
Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos
virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da
imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e
se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de
que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este
refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este
carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem
cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um
analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse
condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se
viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são
indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as
cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil,
constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos
shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas;
neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de
missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não
há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela
musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas
aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por
belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos
céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no
cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar,
certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na
eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o
mesmo hambúrguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas:
'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares
espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de
descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando
vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas
observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

Uma Noticia que os Jornais Não Publicam

Uma imagem de John Gebhardt no Iraque



Esta é uma dura história de guerra , mas toca-nos no coração.


A esposa de John Gebhardt, Mindy, diz que toda a familia desta criança foi executada.Os exterminadores pretendiam também assassiná-la, não conseguiram mas mesmo assim atingiram- na sua cabecinha .
Encaminhada por John, ela foi tratada no Hospital e recupera-se bem , mas ainda chora e geme muito. As enfermeiras dizem que John é a única pessoa que consegue acalmá-la. Assim, John passou as últimas 4 noites segurando-a ao colo na cadeira, para que ela possa dormir. A menina tem recuperação gradual.
Eles tornaram-se verdadeiras "estrelas" da guerra. John representa o que o mundo ocidental gostaria de fazer e ser.
Isto, meus amigos, vale a pena compartilhar com o Mundo inteiro.Vamos a isso !
Nunca tomamos conhecimento de notícias dessa natureza pela TV ou nas mídias em geral.
Todos precisamos ter ciência de que pessoas como John fazem a diferença, a exemplo dessa pequena menina baleada na cabeça e com a triste sina de ter seus pais executados por uma guerra sem propósito humano.

"Não podemos orientar o vento, mas podemos ajustar a nossa vela."

terça-feira, 11 de agosto de 2009

As pessoas estão cultivando ídolos errados


Karla Christine
Psicóloga Clínica


"Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas letras são muito tocantes,
mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível.
Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta.
São esses pais que devemos ter como exemplo?
Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora. Temos vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra,
um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não.
Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar
que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.
Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada?Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?
Como no comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.
Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO quando necessário?
Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor.
Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde.
A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser amigo de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre."


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cativar


"E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira.
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste.
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem - Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços."
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo."


(O Pequeno Principe/Antoine De Saint-Exupery)

sábado, 1 de agosto de 2009

Netinho de Paula e minha decepção

Estava eu na ultima 5ª feira no ônibus, ouvindo o programa Transalouca na radio Transamerica. O programa vai ao ar de segunda a sexta das 12h às 13h (exceto São Paulo) e das 12h às 14h (para toda a Rede). O programa que traz situações inusitadas, discussões, notícias absurdas e quadros de humor. Além disso, rolam entrevistas com bandas, artistas e celebridades em evidência e ouvintes de todo o Brasil participam via e-mail e/ou telefone.
Ja ouvi algumas vezes e dependendo de quem é entrevistado, é muito bom. O com o Jorge Cajuru foi the best!
Bom, essa 5ª o entrevistado foi Netinho de Paula, o ex Negritude, o do programa que tem o quadro "Um dia de Princesa". Eu como gostava dele, parei p/ ouvir. Bom, primeiro, para quem não sabe, Netinho é vereador. Também sempre foi visto como o grande defensor do anti racismo, da igualdade (que não existe e jamais existirá [Graças a Deus!]). Ja entrou em brigas e varias discussões por isso.
Ate agora, nenhum grande alarme.
Acontece que logo no começo, Netinho foi perguntado da sua infância, e logo depois foi comparado ao Michael Jackson, pela infância pobre e difícil, e depois conseguir sucesso e dinheiro (achei a comparação esdrúxula, mas segui adiante p/ ver aonde ia dar). Eis que ele faz a declaração a qual eu além de ficar muito revoltada, me deixou triste, pois o ser humano ainda não aprendeu coisas básicas. Netinho diz que não achou errado o que o pai do Michael fez, que criança é naturalmente inquieta, e que ficar 8 horas por dia treinando é muito difícil, e ele tinha mesmo que ser rígido. E ainda teve a audácia de falar que Michael se transformou na estrela que era, pela disciplina do pai.
Juro que eu fiquei um tempo desacreditada com aquela declaração. Obviu que quando fui procurar no site do Transalouca a entrevista, essa declaração não estava lá:

"30/07/2009 - O cantor Netinho de Paula fala sobre seu programa e a história do quadro Um dia de Princesa que mais marcou

Texto: Isadora Carvalho
Fotos: Rafael Victorino

O programa do dia 30 de julho recebeu o apresentador e vereador Netinho de Paula. Ele veio falar sobre a carreira e seu programa “Show da Gente”, no SBT.

Logo no começo do programa, o Rudy perguntou como foi sua infância e se ele tem saudades dessa época.

“Eu era um daqueles moleques da estação de trem que vendia bala para ajudar em casa. Quanto a sentir saudades, acho que nunca sentimos falta de um período que passamos dificuldades. O importante é preservar as amizades daquele tempo”, contou Netinho.

O Fuzil perguntou: “Todos nós aqui sabemos o quanto você é dedicado as questões sociais e que inclusive mantêm uma instituição na COHAB de Carapicuíba, que já existe há 14 anos. Só você que a custeia?” e o Netinho afirmou que no começo, ele com a família Negritude ajudavam integralmente, mas nos últimos anos a prefeitura abraçou a causa e começou a investir.

Fuzil questionou também sobre a proibição da menina Maísa apresentar seu programa infantil.

“Sou contra a proibição do juizado em relação à Maísa, pois acredito que quando a criança tem realmente dom, isso não vai prejudicá-la”, comentou.

Fernandinha quis saber quando surgiu o projeto do programa “Show da Gente” e o apresentador disse que na verdade o novo projeto é uma roupagem mais atual do seu antigo programa na Record, “Domingo da Gente”, no qual esteve à frente por cinco anos.

Um ouvinte perguntou qual foi a história do quadro “Um dia de Princesa” que mais marcou?

“Uma vez fui para Angola. A menina que seria a minha princesa tinha sido internada com HIV. Fui ao hospital e a encontrei muito mal. Então parti em busca de outra princesa. Uma hora depois me ligaram, avisando o falecimento da menina. No domingo seguinte, a mãe dela participou do programa e trouxe uma foto da filha, o que me emocionou muito”, declarou.

E o Fábio, de São Paulo, perguntou como ele concilia a vida de cantor e apresentador com a de político.

“Graças a Deus, as pessoas que trabalham comigo são muito competentes. Lancei o CD “Juntos e Misturados” e no mês que vem vou tocar em Porto Alegre.” "

Obvio que essa declaração não seria incluída.

O mais absurdo p/ mim não foi ele ter concordado que o pai tinha feito certo, mas dizer que por causa dele que Michael se tornou estrela, p/ mim é demais! MICHAEL NASCEU ESTRELA, e o pai contribuiu apenas para os problemas psicológicos.

Pessoas publicas tem que tomar muito cuidado com o que falam. Netinho é um ídolo para muita gente. E o que ele disse nada mais foi que 'pais, sejam rigorosos com seus filhos, batam e espanquem para que eles sejam adultos melhores'.
O melhor foi que quando Netinho falou isso, senti que o estúdio ficou serio, calado, tenso, e logo passaram para o assunto da Maisa. O que depois ainda falou outra merda, que o que ela esta passando não vai prejudica-la. Eu digo: A gente conversa daqui a 10, 15 anos p/ ver o estrago.

Me decepcionei muito com Netinho, e espero que eu não tenha sido a unica.

We are the children - Elisa Lucinda


Quem me conhece sabe que não é do meu feitio batizar em outra língua uma publicação brasileira. Mas o título exerce dominação no meu peito esta semana em que fui mestre de cerimônia nos jardins do Palácio Guanabara, repleto de suas habituais autoridades e de cidadãos que raramente frequentam estes ares. Era lançamento nacional do programa Plataforma dos Centros Urbanos, uma iniciativa iluminada do Unicef, que viabiliza ações de desenvolvimento integral dos indivíduos nas cidades, a partir do olhar desta galera. São eles os GAL’s(Grupos Articuladores Locais)compostos de jovens que entrevistam, pesquisam sobre o que é vulnerável em sua comunidade, e conduzem a realização de prioridades e demandas de sua aldeia, digamos assim. Era também nesta tarde a posse de Lázaro Ramos, queridíssimo ator baiano, como embaixador do Unicef. Pois quando Marie Pierre, diretora do Unicef, me deu a palavra para que eu o homenageasse, a reflexão que tomou o proscênio de meu afeto foi a seguinte: no momento em que o mundo se despede precocemente de seu ídolo pop negro mais polêmico e criativo, este fato ganha novos recortes. Michael foi um menino abusado, explorado, castigado e mal criado pelo pai com a passiva e, não menos cruel, cumplicidade da mãe. E o pior, não só a sua aldeia, mas estas torpes histórias o mundo todo comentava. Um gênio maravilhoso, cuja infância foi roubada e cujo talento em vida sustentou aquela cambada, aquela mórbida e fria família, cujos olhos já brilham com os lucros da morte de seu gênio valiosíssimo. Um menino que ensinou ao mundo os passos da lua e era chamado de macaco pelo pai monstro com cara de cafetão escroto, morreu inseguro, infeliz, esfacelado nos trapos da palavra identidade, desfigurado, retalhado na face, frágil, doente, anoréxico e esbranquiçado, depois de ter sido o primeiro a, com sua música pioneira e única, unir as vozes brancas e negras na América e fora dela. O mundo testemunhou a tragédia de um mártir que inscreveu no corpo, na cara, nas bizarras atitudes no patético castelo de horrores da terra do nunca, as contradições, as injustiças, o racismo e a crueldade de uma nação chamada de primeiro mundo e de uma civilização omissa e equivocada. Esta morte pode ser um alerta. O menino violentado ainda pequeno, afanado em seu direito de ser criança, não cresceu e, o que nele cresceu, não gostou do que viu. A dependência crônica dos analgésicos grita em nossos ouvidos como lhe doía viver. Mas me pergunto por que um milionário que foi sacaneado na infância e impedido de se construir fora dos palcos, uma vez que a base de seus casamentos e relações pessoais parecia seguir as leis da ficção, por que este homem rico de grana e tão comprometido psicológica e emocionalmente, morreu sem tratamento adequado? Ser um homem de cinquenta anos, cheio de Mickeys e Peterpans pelas paredes de seu quarto, criar aquela face indescritível de batom sob um nariz sem cartilagem e sob olhos infantis muito tristes não era bizarro, era loucura. Ele estava dodói e poderia, com uma boa terapia e tratamento psiquiátrico, ter tido um outro destino onde seu talento pudesse realizar o mundo e a ele mesmo ainda mais, onde ele pudesse se libertar de vez daquele demônio paterno.
Meu Deus, e agora estava eu ali, diante de Lázaro, aquele brasileiro negro lindo, talentosíssimo, coerente em suas ações como artista, cidadão, solidário, antenado com suas responsabilidades neste mundão segregacionista, idealizador e apresentador de um programa chamado “Espelho”, e que, por isso mesmo dispensa explicações, egresso de um daqueles bairros pobres de Salvador mas que, dentro de toda a pobreza, foi criado como menino seguro, forte, amado pelo pais, ancorados no amor por si e pelos seus. Ouvi o discurso simples do jovem embaixador, sua brilhante inteligência sob cabelos muito bons e crespos, um sorriso luminoso e delicioso, com aquela mesma cara ensolarada do primeiro Michael, o menino de ouro do gupo Jackson Five, de nariz largo, voz linda, cheio de sonhos cantando I’ll be there.
Lázaro foi emblemático para mim naquela tarde de uma cerimônia patrocinada por uma instituição cujo foco, cuja mola mestra é a infância. Meus senhores, não há futuro possível sem uma infância e adolescência cuidadas. É uma conta que, geralmente, desanda. Ainda tem muito menino preto que cresce achando que só pode lhe sobrar ser “Triller” e “Bad”, ser preto e mau. O tema é amplo, toda criança, de qualquer tom ou origem social, merece uma opção de vida cidadã. Então, ao mesmo tempo em que meu coração chorava em luto por quem foi talvez a mais triste e genial criança americana, uma forte luz vinha daquela tarde representada em Lázaro, como a me dizer que novos tempos se anunciam. No momento em que a crise do mundo quebra as pernas da arrogância da razão, novas plataformas mais emocionais, mais humanas, mais responsáveis, surgem para dar a mão e novas saídas para o menino mundo; o que sempre é e sempre será feito de ex-crianças, de crianças que cresceram . Uma criança que não tem a infância roubada, pode envelhecer em paz, e, sem enlouquecer, viver pra sempre.