sábado, 6 de março de 2010

Nem todos aqueles que se queixam de solidão podem realmente amar

por Paulo Sternick

Muitas das complicações amorosas atuais se devem ao jeito apressado e egoísta de viver que as pessoas adotaram, mas não só. Há homens e mulheres que carregam uma dificuldade inata de se entregar ao amor. Não conseguem. Estes precisariam cuidar de se conhecer melhor, talvez por meio da psicanálise, para poder se libertar e encontrar um relacionamento que valha a pena.

Muitos homens e mulheres - entre eles pessoas jovens e bonitas - vivem reclamando da dificuldade em manter uma relação amorosa consistente. Isso soa contraditório numa época que oferece oportunidades de comunicação e encontro como nenhuma outra. Será esta oferta abundante de chances, dispersando a atenção, e seduzindo com a ilusão de fartura, o fator que distrai a concentração da procura do amor único e singular? Talvez. Mas há relatos de outras causas, uma porção delas, algumas até meio extravagantes. Existem mulheres que reclamam do excesso de gays, como se os homens fossem uma espécie em extinção, embora as estatísticas mostrem que os homossexuais representam apenas 10% de ambos os sexos. E existem homens dizendo que as mulheres andam fáceis demais - como se não desfrutassem essa generosidade.

Que o espírito do tempo, com sua pressa e avidez, não favorece o amor, não deixa de ser verdade. Estamos mais para um fast love do que para um conhecimento singelo e curtido, propício a promover o encontro de duas almas, com suas carências e aspirações de satisfação mútua e construção de uma vida comum, com base na renúncia de desejos egoístas e na superação da intolerância.

As dispersões da atualidade, de qualquer maneira, só capturam quem não desenvolve em si a capacidade de amar, ou não supera essa incapacidade. Sim, porque há pessoas que simplesmente não são aptas para o amor. São "imunes ao canto", nas palavras do poeta inglês Percy Shelley (1792-1822). Ou sofrem de excesso de narcisismo, de medo, ódio, intolerância, inveja.

O psicanalista Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979), também inglês, conjecturou que até "o amor pode inibir o amor". Nem tente compreender precipitadamente essa formulação intrigante. É conveniente deixá-la no ar, para ser pensada.

Há, em nossa volta, uma cultura meio histérica, de exibicionismos, mulheres vaidosas que adoram despertar paixões e não assumi-las, pelo mero prazer de se sentirem desejadas. E homens conquistadores e orgulhosos de suas façanhas sexuais, mas de estreitos e curtos horizontes afetivos. Paradoxalmente, eles e elas se queixam de não ter um relacionamento consistente. Alguns por falta de sorte e sintonia, outros por obstáculos internos ou por carregar uma estranha e inadvertida instância crítica interna adversa ao amor, que talvez só possa ser minorada com psicoterapia. Portanto, as dificuldades amorosas da atualidade têm um pé na cultura e outro no indivíduo. Mas um causa o outro. Com certeza, seres apressados, superficiais e vazios não se credenciam a amar e serem amados com facilidade, pelo menos por pessoas mais exigentes. Porém, em qual ponto termina a exigência e começa a idealização, a ilusão e a fantasia infantil de encontrar o ser amado perfeito? Os critérios que muitas pessoas sustentam para conseguir gostar de alguém indicam mais para a intolerância do que para o amor. Por isso, há os que ficam sozinhos (ou com seus fast lovers vez ou outra), maiores abandonados. Não raro são excelentes profissionais, capazes de constituir patrimônio, mas não conseguem alcançar o bonito espírito do Salmo 127, que subtraído de seu aspecto religioso, poderia ser reescrito deste modo: "Trabalham em vão aqueles que erguem uma casa que não tenha sido pelo amor construída".

[Paulo Sternick é psicanalista no Rio de Janeiro (Leblon, Barra e Teresópolis). E-mail: psternick@rjnet.com.br]

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